Veja como contribuímos com o Comentário #27 do Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos! / See how we contributed to Commentary #27 (OHCHR-CRC/UN)
Veja como contribuímos com o Comentário #27 do Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos! / See how we contributed to Commentary #27 (OHCHR-CRC/UN)

[EN BELOW] Recentemente, contribuímos com a minuta do Comentário 27 sobre Direitos das Crianças ao acesso à Justiça e a Recursos Eficazes (Children’s Rights to Access to Justice and Effective Remedies), promovido pelo Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH/ONU ou OHCHR-CRC/UN em inglês).

O texto será disponibilizado no site da organização até janeiro de 2025, porém já pode ser consultado a seguir, em português (tradução disponível somente nesta publicação) e inglês (idioma original).

Chamada para submissões sobre a minuta do Comentário Geral n.º 27

Contribuição de parte interessada – Comentário geral n.º 27 sobre os direitos das crianças ao acesso à justiça e a recursos eficazes

Prezadas(os),


Gostaríamos de apresentar nossa contribuição, enquanto uma organização da sociedade civil (OSC) brasileira representada por sua presidente, pesquisadora atuante na Academia, para potencializar o debate sobre o Comentário Geral nº 27 sobre os Direitos das Crianças ao Acesso à Justiça e a Recursos Efetivos.


Como uma OSC focada na defesa dos direitos digitais e na promoção de uma internet mais consciente, acessível e segura, especialmente em jogos e plataformas online, um dos nossos escopos mais importantes é garantir os direitos de crianças e adolescentes em ambientes digitais.


No entanto, em todo o nosso campo de atuação, temos observado situações cada vez mais recorrentes no Brasil e no mundo que desafiam não apenas a segurança desses grupos vulneráveis ​​em jogos e plataformas, mas também sua própria existência e presença em espaços físicos, presenciais, sem que eles possam de fato acessar a justiça.


Esta contribuição, portanto, visa focar nos papéis que são e que ainda podem ser assumidos pelos provedores de serviços de internet, os quais têm sido entendidos, inclusive, como “papéis públicos de atores privados” [1].


Nesse sentido, iniciamos nossa apresentação informando que, no Brasil, para que uma criança ou adolescente possa registrar ameaça de morte contra si mesmo, é necessário utilizar ou os métodos convencionais (polícia, delegacia para registro de boletim de ocorrência, etc.), ou o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) [2], criado por meio do instrumento normativo (decreto) D9.579/2018, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (L8.069/1990) e na Convenção sobre os Direitos da Criança (D99.710/1990).


Embora esse programa tenha sido uma inovação essencial e tenha até uma página de orientação disponível na internet, a única forma de acesso a esse serviço é por meio do atendimento presencial, com tempo de espera estimado de até 30 dias corridos, conforme indicado no próprio site institucional. Além disso, é necessária a apresentação de identificação completa da pessoa ameaçada, do ameaçador, bem como outros requisitos. Ainda que o tempo estimado de espera seja de 30 dias, não há prazos estimados ou fixos para a duração de cada etapa, o que agrava ainda mais a situação de risco que crianças e adolescentes podem enfrentar.


Adicionalmente, nem todos os estados brasileiros são parceiros do PPCAAM, e nem mesmo o site institucional do governo informa quais estados são parceiros e quais não são. Mesmo nos estados parceiros, é necessário acessar esse serviço pessoalmente por meio de um Conselho Tutelar, Defensoria Pública, Ministério Público ou entidades do Poder Judiciário (delegacias, varas da infância e juventude e outros órgãos).


Ainda que se trate apenas de um mecanismo subsidiário – como afirma o próprio site da iniciativa, sua finalidade é “proteger crianças e adolescentes expostos a grave e iminente ameaça de morte, quando esgotados os meios convencionais” –, é fundamental garantir a autonomia da população infantojuvenil em seu processo de busca por justiça, principalmente se considerarmos que, muitas vezes, seus próprios familiares e pessoas que convivem com eles são os potenciais agressores.


No entanto, esse programa ainda é pouco conhecido no país e, mesmo com um número crescente de internautas, ainda há pouca informação disponível no próprio site do governo, assim como em outros sites. Quando buscadas em três buscadores diferentes, como “sou criança e meu pai ameaçou me matar”, “minha mãe ameaçou me matar quando criança” e similares, a página do programa sequer é a primeira a ser exibida entre os resultados listados, o que gera preocupações sobre o real conhecimento, por adolescentes e crianças, desse mecanismo.


Apesar da existência de desigualdades sistêmicas no acesso à internet no Brasil [3], especialmente em áreas rurais e periféricas [4], assim como entre populações negras e indígenas [5], sabe-se que o uso de tecnologias e até mesmo conexões móveis tem sido cada vez mais comum entre os jovens.


Por isso, entendemos que é fundamental que os mecanismos de busca, assim como outras plataformas e até mesmo serviços de jogos online, que concentram o público jovem, cooperem em harmonia com o Governo Federal para promover não só maior divulgação do programa, mas também para garantir meios mais seguros para que tais pessoas possam fazer suas denúncias, como viabilizando o atendimento virtual e de forma que exponha menos a vítima, sem que suas pesquisas sobre o assunto sejam descobertas pelo possível agressor.


Ao utilizar uma linguagem interativa e acessível, esses atores podem cooperar e estabelecer mecanismos ainda mais lúdicos e educativos em espaços onde crianças e adolescentes passam grande parte do seu tempo: em games, em mecanismos de busca, em plataformas de streaming e em redes sociais.


Além disso, outros crimes graves contra jovens também ocorrem tanto fora quanto dentro de tais jogos e plataformas. Destarte, é essencial que tais provedores forneçam não apenas o devido processo legal contra potenciais banimentos e remoções, mas também que todo conteúdo denunciado não seja (após análise passível de revisão por um moderador humano com competência cultural apropriada, em linha com os Princípios de Santa Clara [6][7][8]) completamente removido, permanentemente e inacessível de qualquer forma, pois em uma potencial investigação durante um processo judicial, tais postagens e registros de interações poderiam servir como evidência.


Por conseguinte, gostaríamos de solicitar sua consideração, reiterando no Comentário Geral nº 27 sobre os Direitos das Crianças ao Acesso à Justiça e a Recursos Efetivos a importância de tais atores contribuírem para a cooperação multissetorial sem abdicar do diálogo primordial com a sociedade civil organizada, como forma de acolher sugestões e críticas que serão úteis para o aprimoramento do Programa, visando fortalecer os direitos de crianças e adolescentes não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, com possível cooperação entre provedores de serviços de internet e outros governos com programas nacionais semelhantes.


Agradecemos antecipadamente sua atenção.


Atenciosamente,

Thayla Bicalho Bertolozzi (She/Her)

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Call for submissions on draft general comment No. 27

Interested Stakeholder Contribution – General Comment No. 27 on Children’s Rights to Access to Justice and Effective Remedies

Dear all,

We would like to present our contribution, as a Brazilian civil society organization (CSO) represented by its president, an active researcher in Academia, to enhance the debate on General Comment No. 27 on Children’s Rights to Access to Justice and Effective Remedies.

As a CSO focused on defending digital rights and promoting a more conscious, accessible and safe internet, especially in online games and platforms, one of our most important scopes is to guarantee the rights of children and adolescents in digital environments.

However, throughout our field of activity, we have observed increasingly recurring situations in Brazil and around the world that challenge not only the safety of such vulnerable groups in games and on platforms, but also their very existence and presence in physical spaces, in person, without them being able to actually access justice.

This contribution, therefore, aims to focus on the roles that are and that can still be assumed by internet service providers, which have even been understood as “public roles of private actors” [1].

In this sense, we begin our presentation by informing that, in Brazil, for a child or adolescent to be able to register a death threat against themselves, it is necessary to use either conventional methods (police, police station to register a police report, etc.), or the Protection Program for Children and Adolescents Threatened with Death [2] (“Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte”, in Portuguese, or PPCAAM), created by means of the normative instrument (decree) D9.579/2018, based on the Brazilian Statute of Children and Adolescents (“Estatuto da Criança e do Adolescente”, in Portuguese, L8.069/1990) and on the Convention on the Rights of the Child (D99.710/1990).

Although this program was an essential innovation and even has a guidance page available on the internet, the only way to access this service is through face-to-face service, with an estimated waiting time of up to 30 calendar days, as indicated on the institutional website itself. In addition, it is necessary to present complete identification of the person being threatened, the threatening party, as well as other requirements. Although the estimated waiting time is 30 days, there are no estimated or fixed deadlines for the duration of each stage, which further aggravates the risk situation that children and adolescents may face.

Additionally, not all Brazilian states are partners with the PPCAAM, and not even the government's institutional website informs which states are partners and which are not. Even in partner states, it is necessary to access this service in person through a Guardianship Council, Public Defender's Office, Public Prosecutor's Office or entities of the Judiciary (police stations, juvenile court and other agencies).

Even if this is only a subsidiary mechanism – as the initiative's own website states, its purpose is to "protect children and adolescents exposed to a serious and imminent threat of death, when conventional means have been exhausted" –, it is essential to guarantee the autonomy of the child and adolescent population in their process of seeking justice, especially if we consider that, often, their own family members and people who live with them are the potential aggressors.

Nonetheless, this program is still little known in the country and, even with a growing number of internet users, there is still little information available on the government website itself, as well as on other websites. When queries are searched for in three different search engines, such as “I am a child and my father threatened to k**l me”, “my mother threatened to k**l me as a child” and similar, the program's page is not even the first one to be displayed among the listed results, which raises concerns about the real knowledge, by adolescents and children, of this mechanism.

Despite the existence of systemic inequalities in access to the internet in Brazil [3], especially in rural and peripheral areas, as well as among black and indigenous populations [4], it is known that the use of technologies and even mobile connections has been increasingly common among young people [5].

Therefore, we understand that it is essential that search engines, as well as other platforms and even online gaming services, which concentrate young audiences, cooperate in harmony with the Federal Government to promote not only greater dissemination of the program, but also to guarantee safer means for such people to be able to make their complaints, such as by enabling virtual assistance and in a way that exposes the victim less, without their research on the subject being discovered by the possible aggressor.

While using interactive and accessible language, these actors can cooperate and establish even more playful and educational mechanisms in spaces where children and adolescents spend a large part of their time: in games, on search engines, on streaming platforms and on social networks.

Furthermore, other serious crimes against young people also occur both outside and inside such games and platforms. In this regard, it is essential that such providers provide not only due process against potential bans and removals, but also that all reported content is not (after reviewable analysis by a human moderator with appropriate cultural competence, in line with the Santa Clara Principles [6][7][8]) completely removed, permanently and inaccessibly in any way, as in a potential investigation during a legal proceeding, such posts and records of interactions could serve as evidence. 

Thus, we would like to request your consideration, reiterating in General Comment No. 27 on Children’s Rights to Access to Justice and Effective Remedies the importance of such actors contributing to multisectoral cooperation without the abdication of the primordial dialogue with organized civil society, as a way of accepting suggestions and criticisms that will be useful for improving the Program, aiming to strengthen the rights of children and adolescents not only in Brazil, but throughout the world, with possible cooperation between internet service providers and other governments with similar national programs.

We thank you in advance for your attention.

Sincerely,

Thayla Bicalho Bertolozzi (She/Her)

Pause e Pense / PPGRI-USP

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Notes/Notas:

[1]  Tolza, S. Internet service providers as law enforcers and adjudicators. A public role of private actors. Computer Law & Security Review, vol. 43, nov. 2021. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S026736492100087X 
[2]  More information available at: https://www.gov.br/pt-br/servicos/registrar-ameaca-de-morte-contra-crianca-e-adolescente 
[3]  TIC Domicílios (Research). CETIC.br. Last update: 2023. Available at: https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/microdados/ 
[4]  Venturini, A. C.; Lima, A.; Jardim, C. S.; Bertolozzi, T. B. As desigualdades educacionais e a covid-19. Informativo Desigualdades raciais e Covid-19. CEBRAP/AFRO, nov. #3. 2021. Available at: https://www.cebrap.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Informativo-3-As-desigualdades-educacionais-e-a-covid-19-.pdf 

[5]  TIC Kids Online (Research). CETIC.br. Last update: 2023. Available at: https://cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/microdados/ 
[6]  Santa Clara Principles. Available at: https://santaclaraprinciples.org/ 
[7]  Silva, F. R. da et al. Laboratory of Public Policy and Internet (Laboratório de Políticas Públicas e Internet - LAPIN), sep. 2020. Available at: https://lapin.org.br/wp-content/uploads/2020/09/LAPIN-Santa-Clara-Principles-Submission-1.pdf 
[8]  IGF 2021 - Day 2 - Town Hall #38 The New Santa Clara Principles. Internet Governance Forum (IGF), 2021. Available at: https://www.intgovforum.org/en/content/igf-2021-day-2-town-hall-38-the-new-santa-clara-principles 

Imagem: OHCHR/UN

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